segunda-feira, 27 de julho de 2009

O 4º E - Capítulo III

Durante a impregnação, Pedro sofreu terríveis pesadelos, num deles; visualizava de dentro de uma cova sem caixão, conhecidos, alguns muito tristes, mas a grande maioria aparentando alívio e até satisfação por sua morte. Sonhos desconexos e “viagens” que misturavam imaginação e realidade faziam parte do repertório que dominava seu cérebro. Com um mal estar ininterrupto fez as necessidades fisiológicas na roupa em função da incapacidade motora. Nem nos piores dias de seu alcoolismo havia sentido tamanho sentimento de impotência física e vazio existencial. "O sonho acabou"! Teve medo de enxergar John Lennon, mas quem dissera a frase fora Dna. Enir, atendente de enfermagem que há dias pacientemente lhe dava banho e comida na boca. Os olhos ardiam-lhe pela forte claridade das lâmpadas. Aos poucos conseguiu ajustar o foco do olhar no rosto da mulher. Era loira artificial, meia idade, gorda de aspecto simpático. A falta de equilíbrio dificultava todos os movimentos, mal conseguia se manter sentado no banco coletivo do irrequieto refeitório tal era a potência da medicação usada para imobilizar os rebeldes. Medicação que começava a desempreguinar-se de Pedro. Perguntando a atendente porque não conseguia segurar a colher, (únicos talheres permitidos no 4º E). Dna. Enir disse-lhe que há dias besuntava-se todo com a comida, tropicava com a bandeja e vivia em estado de semiconsciência, impregnado, no jargão psiquiátrico. Tinha várias perguntas a fazer, mas resolveu citar Augusto dos Anjos: Meu cérebro rola dentro do coco, será que estou ficando louco? Calma que logo ficarás bem. Tranqüilizou-o Dna. Enir . Claudicante, caminhou pela galeria em direção ao quarto, no caminho Alexandre oferecendo-lhe cigarros numa espécie de boas vindas ao ”ressuscitado”, contou orgulhosamente que durante seu período de impregnação Brastemp passara por doze sessões de eletrochoques. Era o ano 2005 e Pedro não entendia como ainda usavam essa “terapia”. Horrorizado pela certeza de estar no pior manicômio de todos que conhecera tentava manter o cigarro na boca mordendo o filtro com os dentes. Sentado na cama que agora tinha lastro, fronhas e lençóis limpos encontrou todos os componentes do quarto. Situação anormal na galeria, pois durante o dia com exceção dos impregnados, amarrados nas camas ou imobilizados como “múmias”, cruel técnica de enfaixar a pessoa com ataduras deixando só o rosto descoberto , todos os pacientes passavam o dia fumando e caminhando de um extremo ao outro da ala de contenção. Sol Quente, sem o tradicional riso nervoso fumava em silêncio. Novamente esperavam que ele dissesse algo. Atacou com a famosa frase de Ernesto Guevara: “Temos que endurecer, mas sem perder a ternura”.Com exceção de Alexandre ninguém conhecia a frase e como falava em endurecer, Sol Quente começou a masturbar-se. Valdir o obrigou a sair do quarto aos empurrões. Sol Quente caiu e bateu a cabeça na quina do beliche de ferro. Gritaria geral. Pedro tentou acalmar os ânimos, mas já era tarde. O grupo “dos oito” fora chamado para eletrochoques em Valdir a mando da Dra.Claudia responsável pela galeria. Formado por oito fortes pacientes usando uma farda diferenciada, o grupo dos oito tomava de assalto qualquer dependência do hospício e imobilizava o rebelde. Alexandre que assistia a tudo ao lado de Pedro, falou; Já que citaste Che Guevara, também vou citar; A farda modela o corpo, mas atrofia a mente. Só que nesse caso, a mente a ser atrofiada será a do Valdir, respondeu Pedro. O filósofo começou a rir nervosamente expondo sua dentadura banguela. Pedro estirou-se na cama, mas não conseguiu dormir apesar do resquício de impregnação. No escuro do quarto, apavorado, acompanhou todos os gritos, sussurros e surtos psicóticos da pior ala da instituição. O enfermeiro o acordou de um cochilo sem sonho informando que a Dra. Claudia lhe aguardava para consulta.

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