segunda-feira, 19 de junho de 2017

Crônicas Centrais 06

Amilton, O Conquistador


Tomando uma ceva com o Amilton, no Restaurante Rio de Janeiro, esquina Bento com Riachuelo, quando passam umas velhotas para a missa das seis horas na igreja das dores. O veterano, para mim era veterano, pois eu tinha 20 anos e ele já nos seus trinta e tantos quase 40, pega no meu braço e diz “olha só que tesão”! Assustei-me, pois era uma senhora de no mínimo setenta anos, baixinha e sem nenhum atrativo convencional.
Amilton foi o cara mais tarado que conheci, não no sentido de atacar mulheres ou se lançar para namoradas de amigos, mas naquelas de arrastar para seu apartamento mendigas, sem teto, faveladas, domésticas calejadas e idosas, o que aparecesse pela sua frente.
Lembro que na época dirigia uma variante azul escura e desfilava com suas conquistas. Com o tempo e a decadência, começou a ter que pagar mulheres, como era vagabundo ou fazia um bico aqui, uma trampa ali, estava quase sempre sem grana, então recorria a sua avó, não sei bem de sua formação familiar só sei que achacava a velha. Em uma dessas, depois de dezenas de achaques e sob a negativa intransigente da senhora partiu para um extremo, se não me engano morava no terceiro andar de um prédio e para chantagear sua avó disse que iria se matar se ela não fornecesse o dinheiro, só que o coitado escorregou e despencou três andares passando meses no hospital. Depois de recuperado ficou manco e foi internado várias vezes em clínicas psiquiátricas e hospícios. O encontrei algumas vezes em estado deplorável.  Esse foi Amilton, o indivíduo mais tarado e comprovadamente um expoente do dito popular que diz; tem gosto para tudo.

Eduardo Simch 

Obs: O fato tanto pode ser verídico como pura ficção, fica a critério do leitor. 

Crônicas Centrais 05

Outsider


Fora da estrada, rebelde do fígado, decidi ir à volta do Gasômetro, logo encontrei Carlinhos Bugre, bebi alguns goles de sua cachaça barata, uns patricinhos e mauricinhas emprestaram o violão. Charlie disse: "o amor será eterno novamente",(rockeiro citando sambista; Nelson Cavaquinho) todos sorriram sem jeito. Emendei; "o poeta fala, quem tem saber interpreta" e, o baseado girou e girou o Charlie que de podre de bêbado começou a tocar na perfeita, mas antes ficou 20 minutos afinando o violão, quando ninguém aguentava mais, lascou Stones, Dylan e outros clássicos. O povo foi a loucura com a maestria de um 'sem teto'. A plateia foi aumentando e eu comecei a passar o chapéu, sem chapéu, na mão mesmo. O dinheiro daria para comprar champanhe, 480 reais e umas moedas , depois de umas dez clássicas e umas 8 músicas a pedido, saí e trouxe um fardo de ceva e uma garrafa de velho barreiro, todos já estavam voando, começava o por do sol mais famoso do mundo, as gatas dançando, a praia inteira se aproximou, surgiu um violão base e ainda uma gaita de boca, além de um atabaque, que automaticamente me apropriei. Tocamos os rocks do Charlie em um verdadeiro por de sol bailante, uma dupla de PMs cavalgava distante sem caravana e a matilha continuava latindo, ou melhor, cantando. A marijuana rodava sem parar e Bugre brilhava com seus acordes sendo a estrela da festa. A essa altura já era uma festa. Uma gata o beijou na boca, Charlie dormia na rua e fedia pior que cachorro. Outra bêbada linda começou a também beijar o Bugre. Feliz, via a plateia de alternativos, ipsters, mauricinhos, bichos grilo entre outras tribos, aplaudir. Comecei a me puxar na percussão, mas o povo só tinha olhos ao poeta. Na distância uma garota negra olhava de esguelha, fiz um sinal que se aproximasse levantando uma lata de ceva.  Ela veio e cheirosa  sentiu a minha solidão, talvez a nossa e, me beijou. O sol lentamente foi desaparecendo no horizonte do Guaíba, escrevendo no céu uma quase aurora boreal.


Eduardo Simch 

Obs: O fato tanto pode ser verídico como pura ficção, fica a critério do leitor.