sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Rio: laboratório da matança

‘Rio virou um laboratório de técnicas genocidas’
Escrito por Rodrigo Mendes. no Correio da Cidadania
28-Out-2009
Toda a grande mídia tem dado vasto destaque nas últimas duas semanas à "escalada da violência" no Rio de Janeiro. Mas há sempre o questionamento acerca do quanto isso chega a ser um acontecimento fora do comum.
Além do mais, há pouca possibilidade de uma análise mais sóbria, que fuja da idéia de que há um confronto entre as forças da lei e as forças do crime. Muitos especialistas, defensores dos direitos humanos, entidades e militantes apontam que há complicações mais profundas na política de segurança que se acostumou a aplicar no Brasil atual.
É o caso da socióloga Vera Malaguti Batista. Militante acadêmica do Instituto Carioca de Criminologia, ela defende teses muito diferentes, quando não opostas, às que estão implícitas no discurso predominante da grande mídia, que com suas análises apenas colabora em formar um consenso generalizado na população.
Correio da Cidadania: Como você analisa a atual política de segurança pública do Rio de Janeiro? Pode ser classificada como adequada?
Vera Malaguti: Lembrando uma polêmica que aconteceu um tempo atrás entre Marta Suplicy e Joel Rufino dos Santos: a Marta dizia que a esquerda precisava de uma política de segurança pública e o Joel Rufino disse que política de segurança pública é coisa da direita, e que a esquerda precisa mesmo é de política de Direitos Humanos. Há uma grande discussão em torno disso, que redundou em um fracasso, no chamado ‘realismo de esquerda’, na idéia de que a esquerda tinha de praticar uma política de segurança pública mesmo sem ter derrotado o capitalismo. Acabou dando o que deu na Europa, nos Estados Unidos. A esquerda contribuiu para a expansão do sistema prisional neoliberal; a esquerda começou a assimilar, a dar a mesma resposta da mídia, e para a mídia, ao invés de desconstruir o conceito de segurança pública no sentido de lei e ordem. Contribuiu para essa gestão criminal da pobreza, ao discurso que prega o ordenamento dos deserdados da ordem neoliberal.
Hoje, vemos um monte de sociólogo – e eu posso falar porque sou socióloga também – fazendo projetinho de segurança pública. É uma vergonha o que está acontecendo no Rio de Janeiro, eu olho o jornal e não acredito na quantidade de pessoas aplaudindo essa aliança entre o governo do estado do Rio e o governo federal. Eu entendo aliança eleitoral em função da governabilidade, sou muito compreensiva com as dificuldades de governabilidade do governo Lula, mas tudo tem limite ético. Acho que o governo federal apoiar essa política de segurança truculenta do Rio de Janeiro é perder o rumo da História. São muitos equívocos, tem ministro da Justiça pedindo fim da progressão...
A esquerda tem medo do lúmpen e há uma má compreensão da questão criminal pela teoria marxista. É preciso parar de contribuir com a implementação da ordem neoliberal e começar a proteger os pobres do massacre.
Vi um levantamento que aponta que desde o começo de 2007 houve 21 mil homicídios no Rio de Janeiro. A polícia do Rio mata, com aplausos da imprensa, da elite e de parte do mundo acadêmico e da esquerda, 1300 pessoas por ano – e isso são os números oficiais!
Acho que esse governo do estado do Rio de Janeiro trabalha em um tripé de negócios privados, grande mídia e segurança pública. Não tem projetos de política pública.
CC: Há uma ligação entre a propalada escalada da violência e a escolha do Rio para sediar os Jogos Olímpicos?
VM: A mídia fala de explosão de criminalidade porque legitima essas políticas tenebrosas, exterminadoras, truculentas. Com a luta de classes nesse capitalismo de barbárie, a violência não aumenta só no Rio de Janeiro, é o modelo econômico que gera violência, os últimos episódios demonstraram: há uma visão de segurança pública baseada numa ideologia apartadora à la Bush. Há um conflito social, apela-se para a indústria bélica e essa indústria se aquece. Isso produz o discurso jurídico do Inimigo, alguém que pode ser torturado, exterminado, alguém cujas famílias vão pagar também.
Quando o secretário de segurança fala que os últimos eventos foram "nosso 11 de setembro", há também uma tentativa da imprensa de esconder a qualificação desse debate, fica sempre naquele papo da "escalada de violência".
Houve um coronel, além de várias outras pessoas que entendem de polícia, que disse ser um absurdo usar helicóptero da maneira como se vem usando. Ali não tem confronto, é extermínio, homicídio. Nenhuma polícia do mundo usa helicóptero daquele jeito, isso faz parte de uma ideologia de guerra, inspirada nos modelos de apartação mais questionados no mundo contemporâneo. Um sistema que produz o policial matador.
Aí a elite fica espantada quando vê dois policiais passando por cima de um cara agonizando para roubar seu casaco, seu tênis. Ora, para o cara que mata cinco, que mata vinte, o que é roubar para ele? A polícia vai punindo, torturando, roubando, saqueando.
É o que acontece quando você dá todo poder à polícia, não há freios democráticos. O governador disse que a polícia não tem política, pois, para ele, política é só a troca de favores, a barganha e negociação de cargos.
É a naturalização da morte. Isso expõe tremendamente o policial também, afeta muito a vida dele, da família dele, tem muito sofrimento. Precisamos de um grande movimento com as mães dos meninos mortos, dos policiais, contra a naturalização da morte.
CC: Há alguma chance de os problemas serem, pelo menos em parte, resolvidos até as Olimpíadas?
VM: Temos que botar pra correr quem está gerindo a cidade e o estado – e essa mentalidade dos grandes negócios esportivos, da concentração das multinacionais. É preciso fazer das Olimpíadas um grande projeto para o povo.
Veja como foi o Pan-americano, todo dia tinha massacre no Morro do Alemão. Teve dia que chegaram a 20 mortos. E a grande pergunta tinha de ser: estão derrotando o tráfico? Os dirigentes da segurança pública dizem que está tudo no Alemão, então aquela matança não serviu pra nada. O Pan-americano não trouxe nada para o Rio, apenas alguns investimentos milionários, todos concentradíssimos. Proporcionou muitas viagens para governadores, dirigentes, políticos. E o Maracanã hoje não tem mais vendedor ambulante, flanelinha... essas pessoas são presas, a pobreza é tratada como sujeira.
E o Rio virou um laboratório de técnicas genocidas. Daqui até 2016, esperamos derrotar esse pessoal (que está hoje nos governos municipal e estadual).
CC: Ou seja, os conflitos vão se acirrando, a temperatura só tende a subir...
VM: Veja só, a mesma indústria que vai vender o helicóptero blindado vende a arma que derruba o helicóptero blindado. São redes econômicas. As favelas são punidas como um todo, mas vai sobrar para todo mundo, inclusive para os ricos. Uma elite matadora sofre com os efeitos disso também. 
CC: Há alguma ligação ou similaridade entre a atuação das facções criminosas do Rio e do PCC em São Paulo e entre as políticas de segurança dessas duas cidades?
VM: Acho que não. O que há em comum, e não só no Rio e em São Paulo, mas na Bahia e em outros lugares onde isso está começando, é que todas as facções são fruto do sistema penitenciário. A mistura de crimes hediondos, a legislação do direito penal do inimigo e o neoliberalismo produziram essa loucura.
Todos os grandes líderes entraram no sistema prisional por pequenos delitos e foram se barbarizando. Cada vez que eles têm menos expectativa de sair da prisão, de encontrar acolhimento, isso aumenta. A pauta da esquerda tinha de ser prender menos, amparar as redes de familiares de presos, estabelecer mais comunicação de dentro para fora da prisão, para acabar com essa idéia de que quem está fora é o cidadão de bem – essa expressão que a gente ouve tanto – e dentro da prisão está ‘O Mal’.
É preciso romper com essa política estadunidense proibicionista das drogas. Não se pode trabalhar uma questão de saúde pública pela legislação penal. Vários países já começaram a se desgarrar dessa política que começou com o Nixon e foi ao auge com Reagan. Temos que parar de querer resolver a conflitividade através da pena, do sistema penal.

Inacreditável, mas louvável.

Cutrale devolve terras griladas
Roberto Malvezzi, Gogó *
Num gesto único na história brasileira, a Cutrale vai devolver as terras públicas que grilou para plantar laranja. Segundo uma pessoa que ocupa cargo decisivo, "mais importante que sete mil pés de laranja derrubados, são as cem mil famílias de brasileiros que estão na beira das estradas". O único condicionante da empresa é que as terras sejam destinadas à reforma agrária, dando preferência às famílias que ocuparam o lugar dias atrás.
Para maior surpresa, admitiu que é inconcebível que, "num país de 8,5 milhões de Km2, haja tantas pessoas sem um lugar para trabalhar e até mesmo para morar".
Com esse gesto, continuou, "contribuiremos para fazer uma justiça histórica nesse país, já que desde a chegada dos portugueses, a terra tornou-se um pesadelo para nossos índios, negros e pequenos camponeses. Queremos, de uma vez por todas, superar essa injustiça histórica, criar a paz no campo e que essa paz se estenda também por nossas cidades".
Para concluir, afirmou que "espero que todas as pessoas e empresas que grilaram terras públicas, como aquelas do Pontal do Paranapanema, ou na Amazônia, ou em qualquer outro canto do Brasil, repliquem o nosso gesto, devolvendo ao país o que é do país. Afinal, todos os brasileiros têm direito a um lugar digno para viver, sem precisar de favores governamentais. Além do mais, uma vez feita a justiça no campo, não vamos mais precisar de ocupações de terras".
O gesto da Cutrale, sem dúvida, é histórico e pegou de surpresa todos aqueles que querem criar uma CPI para investigar o MST. Afinal, ao reconhecer que o primeiro crime cometido foi a grilagem das terras, não há mais porque buscar culpados onde eles não existem.
* Agente Pastoral da Comissão Pastoral da Terra

José Saramago, a igreja e os facistas

Do escritor e prêmio Nobel José Saramago sobre a igreja e o seu principal líder, o papa Bento XVI.
“Que Ratzinger tenha a coragem de invocar Deus para reforçar o seu neo-medievalismo universal, um Deus que jamais viu, com o qual nunca se sentou a tomar um café, demonstra apenas o absoluto cinismo intelectual da personagem”
“Às insolências reaccionárias da Igreja Católica há que responder com a insolência da inteligência viva, no bom sentido, da palavra responsável. Não podemos permitir que a verdade seja ofendida todos os dias pelos presumíveis representantes de Deus na terra, a quem na realidade só interessa o poder”
“A razão - acrescentou - pode ser uma moral. Usemo-la”
Saramago também advertiu para o crescimento do "fascismo” na Europa e mostrou-se convencido de que nos próximos anos “atacará com força”.
Por isso - sublinhou -, “temos de preparar-nos para enfrentar o ódio e a sede de vingança que os fascistas estão a alimentar”.
“Apesar de ser claro que se apresentarão com máscaras pseudo-democráticas, algumas das quais circulam já entre nós, não devemos deixar-nos enganar”, frisou.