terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Crônicas Centrais 02


Não sou muito carnavalesco, mas a mocinha que me acompanhava queria porque queria ver a amiga dela desfilar como destaque no carnaval de Porto Alegre. Maior tumulto do lado de fora das grades que separavam as arquibancadas de madeira, a rafuagem arrastando geral, só olhavam para minha cara com a gata grudada como mochila na frente e já iam roubar outra freguesia. Conseguimos chegar ao portão. Na época a festa era ainda na Perimetral, cheio de "armários" de crachá, uniforme azul fedendo, todo mundo suado, revista geral. Pergunto: onde compra o ingresso? Um gigante de uns 80 x 80 me diz nos cambistas. Ainda tento argumentar: Como?! Funcionário da prefeitura e não me indica o guichê de ingressos? Nem me respondeu. E já eram todos terceirizados, maioria polícia fazendo um bico. Um rapaz magrinho com sua namorada foi quem que me disse: não tem mais , está tudo na mão dos cambistas. Eu tinha uns cento e cinquenta pilas no bolso e pensei, 'que lesma lerda!', vou comprar dos ladrões e ficar duro. Enfiei a mão no bolso....apareceram uns dez cambistas. Arquibancada, falei, duzentos bem na frente, respondeu o salafra, gravateei com carinho a gata e arrastei o Zezinho para um canto, a voz de Giba-Giba anunciava os Acadêmicos da Orgia. Amigo, te dou cento e cinquenta contos por dois ingressos, é que minha mulher quer ver a irmã desfilar...o cara virou as costas e continuou; 'ingresso', 'ingresso'. A garota excitada com o ritmo e procurando enxergar a amiga me pergunta: amor, comprou os ingressos?, ela tão feliz e eu com ódio do mundo, daquele barulho repetitivo, do cheiro de mijo, do empurra –empurra, mas sem coragem de dizer vamos embora dessa merda, a empolgação dela era tanta e sua confiança em mim, pois passávamos no meio de quadrilhas inteiras, todos roubando, que só dizia legal, legal, vamos achar um lugar bom, mas já me direcionando para o lado oposto das grades de entrada. E não é que uma mão me aperta o ombro e uma voz diz; daí, Alemão Eduardo? Viro o rosto e dou de cara com o Arthur Pinto, de jaleco azul, crachá e sorriso na cara. Como vai Alemão? Querem entrar e assistir os desfiles, diz o Zinho velho de guerra. Resumindo, ele deu seu carteiraço da ‘Interpol’ e ela e eu ficamos no melhor lugar vendo a Quequéia, agora lembrei o nome da amiga, desfilar fantasiada de pimentão em uma escola do segundo grupo, a namorada abanava e gritava como se naquela balbúrdia alguém pudesse ouvir alguma coisa ou enxergar alguém na multidão. Com o fígado quase zerado, bebi minha oitava cerveja e já pensava na continuidade da festa com os cento e poucos contos pulando na minha carteira. Eu quieto, eles sambando. Me chacoalhei, e no meio da gritaria e batucada resolvi gritar e gritei; valeu, Zinho!! Ninguém ouviu. Mas eu disse.
Eduardo Simch 

Obs: O fato tanto pode ser verídico como pura ficção, fica a critério dos leitores.