quinta-feira, 3 de março de 2011

Onze de setembro


Esperar sempre foi para muitos, motivo de ansiedade e com Everaldo não era diferente. Há vinte minutos aguardava Sônia, sua noiva, que conseguira um cargo importante numa multinacional americana. Apreciando a paisagem da metrópole, pensava em como as mulheres exerciam com competência tarefas que historicamente tinham sido exclusivas dos homens. Orgulhava-se de Sônia que, com seu diploma na bagagem encarara um país estrangeiro e vencera, só não gostava de esperar, ainda mais naquela altura vertiginosa. Idéia da moça que queria comemorar o reencontro num monumento da cidade, mas Everaldo havia imaginado a Estátua da Liberdade, o Museu de Arte Moderna, talvez algum ponto turístico na baía de Houston. Jamais imaginara que sua noiva escolheria o topo de uma das torres gêmeas.

O homem que sofria da chamada "vertigem das alturas", suportava a fobia pensando na amada.
No 22º andar, eufórica, a mulher aguardava o elevador social ao qual fazia jus pelo cargo conquistado. Ciente de seu atraso não via o momento de encontrar o amado e contar-lhe que trabalhava naquele prédio. Regozijava-se em pensamento, ela, brasileira de cidade do interior, trabalhando no prédio mais alto de Nova York. Símbolo do capitalismo mundial. Esforçara-se muito para conseguir o cargo de diretora adjunta no escritório comercial da Boston & Boston Corporation, que possuía meio andar no prédio do Word Trade Center.
Everaldo no topo da torre misturava impaciência e expectativa, ansiedade potencializada pelo medo de altura. Era sua primeira viagem a América do Norte, não falava o idioma, razão pela qual já tinha sido rotulado de “cucaracha” pelo motorista do táxi que o trouxera ao prédio e ainda teve de subir pelo elevador de serviço. Começara a sofrer a discriminação na própria carne, mas nem pensava em chatear a noiva com suas reclamações terceiro-mundistas.
Sônia transbordava de alegria naquela ensolarada manhã quando o elevador chegou. Apenas funcionários do segundo escalão estavam no móvel vertical, nome granfino de elevador, pois diretores e presidentes das grandes corporações só vinham à tarde, isso quando compareciam nos escritórios.
O estrondo chegou com segundos de atraso. Primeiro o elevador transformou-se em forma de ampulheta, como lata de refrigerante amassada ao meio, a cabeça da ascensorista parara no colo de Sônia, decepada por uma das tantas lâminas de aço que compunham o elevador social, em seguida, em meio a um ruído ensurdecedor, os cabos se romperam e a caixa metálica teve queda livre até o térreo matando a todos no seu interior.
Everaldo, no terraço, com meio corpo para fora do parapeito nem tentou entender o que acontecia e superando o medo de altura, conseguiu voltar para o topo num esforço digno de super-herói de histórias em quadrinhos. A laje do terraço envergada começou a ruir levando consigo outros que ali estavam. O homem batendo em antenas, pedaços de ferro, caixas de ar condicionado despencou oito andares e caiu num recinto em escombros onde desmaiou. Foi acordado pelo ensurdecedor ruído da segunda torre desabando em chamas, em seguida, em meio ao inferno de gritos e sirenes vislumbrou por uma fresta sob os entulhos de vidro, aço e concreto, algo parecido com a cabine de um avião. A enorme cápsula retorcida ocupava metade do espaço da grande sala. Entre o pavor da tragédia e o alívio de sofrer ferimentos leves ficou em pé e com um pedaço de ferro conseguiu tirar o único piloto vivo do bico da aeronave. O homem não usava o tradicional uniforme dos aviadores comerciais, vestia roupas civis e parecia catatônico. Everaldo o sacolejou, o esgofetiou até reanimá-lo. O piloto levantando-se e ignorando seu salvador, olhou para fora do prédio, depois se voltou para Everaldo e sorrindo disse algumas palavras numa língua que o ex-noivo também não compreendia, mas identificou a palavra Alá. E para maior surpresa, o piloto falando um inglês sem sotaque deu  forte abraço em Everaldo, que continuou sem compreender nada.
Os dois perderam a conta dos lances de escada que desceram, entre entulhos, cadáveres e desabamentos, com mútua ajuda superaram os terríveis obstáculos. No segundo andar conseguiram saltar, em meio a fuligem, em um amontoado de pedras e passando por uma retorcida ventana chegaram até a rua. Help! Gritava Everaldo, até ser socorrido por uma das inúmeras equipes de resgate que se encontravam no local. Tentava dizer que havia outro sobrevivente, mas naquele momento não falar o idioma correspondia a ser mudo. Assim como mudos são os desígnios de Alá.

Eduardo Simch
2002