quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Um golpe de US$ 65 milhões e duas mortes não esclarecidas

Direto do Cloaca News:
www.cloacanews.blogspot.com/2009/11/um-golpe-de-us-65-milhoes-e-duas-mortes.html
A chamada desta postagem não é de nossa autoria, não. Trata-se do título de uma magistral e estarrecedora reportagem de um pequeno jornal mensal de Porto Alegre, cuja tiragem, atualmente, beira os cinco mil exemplares. Tampouco a matéria é recente. Não. O trabalho foi publicado, originalmente, em maio de 2001. Por causa dele, a propósito, o pequeno jornal está à beira de encerrar sua gloriosa trajetória de 24 anos. O bravo periódico chama-se Já. Seu editor chama-se Elmar Bones da Costa (que, em tempo passado e bicudo, criou e dirigiu o histórico Coojornal, um dos baluartes na luta contra a ditadura). E a reportagem a que se refere a manchete acima trata do cabeludíssimo "Caso Rigotto", uma das maiores fraudes da história brasileira, envolvendo a CEEE, a estatal gaúcha de energia elétrica. A história ocorreu em 1987, durante o governo do impoluto Pedro Simon, e o processo, ainda hoje em primeira instância, corre em "segredo de Justiça". Em valores atualizados, a roubalheira passou dos R$ 800 milhões, botando no chinelo até mesmo o atualíssimo caso de corrupção no Detran gaúcho, na gestão da tucana Yeda Crusius.
A imagem que ilustra esta postagem - esta sim - é fresquíssima. É a capa da edição especial do Já, que acabou de chegar às bancas de Porto Alegre com um resumo dos casos recentes de corrupção no Rio Grande do Sul e um histórico das CPIs no legislativo gaúcho, entre elas a da CEEE, do "caso Rigotto".
Nas palavras do jornalista Luiz Cláudio Cunha, em artigo publicado ontem no Observatório da Imprensa, o "caso" que pode calar o Já para sempre é o seguinte:
"A primeira morte era de uma garota de programa, Andréa Viviane Catarina, 24 anos, conhecida nas boates da capital como "Amanda". No fim da tarde de 29 de setembro de 1998, ela despencou, nua, do 14º andar do Solar Meridien, um prédio na rua Duque de Caxias, no centro de Porto Alegre, a duas quadras do palácio que Germano Rigotto ocuparia cinco anos mais tarde.
O dono do apartamento de onde caiu Andréa era o irmão do futuro governador, Lindomar Rigotto, que estava em casa na hora do incidente. À polícia ele contou que a garota tinha bebido uísque e ingerido cocaína. Os exames de laboratório não encontraram vestígios de álcool ou droga no sangue da jovem. A autópsia indicou que a vítima apresentava três lesões – duas nas costas, uma no rosto – sem ligação com a queda, indicando que ela estava ferida antes de cair. Três meses depois, Rigotto foi denunciado à Justiça por homicídio culposo e omissão de socorro. No relatório, o delegado Cláudio Barbedo cita o depoimento de uma testemunha descrevendo o réu como "usuário e traficante de cocaína".
A segunda morte, 142 dias depois, era a do próprio Lindomar Rigotto. Então dono da boate Ibiza, na praia de Atlântida, a casa mais badalada do litoral gaúcho, ele fechava o balanço do último baile do Carnaval de 1999, que animou sete mil foliões até o amanhecer daquela Quarta-Feira de Cinzas, 17 de fevereiro. Cinco homens armados irromperam ali, no momento em que Rigotto e seu gerente contavam a renda. Os ladrões botaram o dinheiro numa sacola e fugiram, cantando pneu. Rigotto saiu em perseguição no seu Gol branco e levou um tiro acima do olho. Morreu a caminho do hospital, aos 47 anos. A bala fatal acabou arquivando o processo pela morte da garota, mas reavivou o mistério em torno da fraude milionária da CEEE.
Afundada em dívidas de quase 1,8 bilhão de dólares, a estatal gaúcha de energia encontrava dificuldades para conseguir os 142 milhões de dólares necessários para as subestações que iriam gerar 500 mil quilowatts para 51 pequenas e médias cidades do Rio Grande. O então governador Pedro Simon, preocupado com a situação pré-falimentar da empresa, tinha ordenado austeridade total. Até que, em março de 1987, criou-se o cargo de "assistente da diretoria financeira" para acomodar Lindomar Rigotto. "Era um pleito político da base do PMDB em Caxias do Sul", confessou na CPI o secretário de Minas e Energia da época, Alcides Saldanha. O líder do governo Simon na Assembléia e chefe da base serrana era o deputado caxiense Germano Rigotto.
Treze pessoas ouvidas pela CPI apontaram Lindomar como "o verdadeiro gerente das negociações" com os dois consórcios, agilizando em apenas oito dias a burocracia que se arrastava havia meses. Os contratos nº 1.000 e nº 1.001 foram assinados em dezembro numa solenidade festiva no Palácio Piratini pelo governador e pelo secretário. Logo após a assinatura, pagamentos foram antecipados, contrariando as normas explícitas baixadas por Simon para vigiar de perto as contas da estatal.
Eram documentos de alta voltagem financeira de uma estatal quase falida. Tanto que a CEEE teve que recorrer três meses depois a um empréstimo de 50 milhões de dólares do Banco do Brasil, dinheiro captado por sua agência no paraíso fiscal de Nassau, nas ilhas Bahamas. Apesar da importância em dinheiro, o presidente da estatal, Osvaldo Baumgarten, e o secretário de Minas e Energia confessaram candidamente na CPI que não leram a papelada que assinaram. "Eu não tinha condições de ler todos os contratos firmados pela CEEE", defendeu-se Alcides Saldanha, mais tarde ministro dos Transportes do governo Fernando Henrique Cardoso.
Uma investigação da área técnica da CEEE percebeu que havia problemas na papelada – documentos adulterados, folhas numeradas a lápis, licitação sem laudo técnico provando a necessidade da obra. Em fins de 1989, Rigotto decidiu sair para cuidar da "iniciativa privada", dividindo o controle com o irmão Julius do Ibiza Club, uma rede de quatro casas noturnas no Rio Grande e Santa Catarina. A sindicância interna na CEEE recomendou a revisão dos contratos, mas nada foi feito.
A recomendação chegou ao governo seguinte, o de Alceu Collares (PDT) e à sucessora de Saldanha na secretaria de Minas e Energia, chamada Dilma Rousseff. Ela ficou eletrificada com o que leu: "Eu nunca tinha visto nada igual", diria Dilma, pouco depois de botar o dedo na tomada e pedir uma nova investigação. Ela não falou mais no assunto porque, em nome da santa governabilidade, o PDT de Collares precisava dos votos do PMDB de Rigotto para aprovar seus pleitos na Assembléia. Mesmo assim, antes de deixar a secretaria, em dezembro de 1994, Dilma Rousseff teve o cuidado de encaminhar o resultado da sindicância para a Contadoria e Auditoria Geral do Estado (CAGE), que passou a rastrear as fagulhas da CEEE com auditores do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e do Ministério Público.
O tamanho apurado da fraude tinha níveis de tensão diferentes em reais ou dólares, mas dava o mesmo choque: 65 milhões de dólares segundo a CAGE, ou 78,9 milhões de reais de acordo com o Ministério Público.
O deputado Vieira da Cunha, hoje líder da bancada do PDT na Câmara Federal, propôs em 1995 a CPI que jogaria mais luzes sobre a fraude na CEEE. Vinte e cinco auditores quebraram sigilos bancários, fiscais e patrimoniais dos envolvidos. Em 13 depoimentos, Lindomar Rigotto foi apontado como a figura central do esquema, acusação reforçada pelo chefe dele na CEEE, o diretor-financeiro Silvino Marcon. A CPI constatou que os vencedores, gerenciados por Rigotto, apresentaram propostas "em combinação e, talvez, até ao mesmo tempo e pelas mesmas pessoas". Os dois consórcios apresentaram propostas para dois subconjuntos, B1 e B2.
O JÁ de Elmar Bones lembrou:
"Apurados os vencedores, constatou-se que o consórcio Sulino venceu todas as subestações do grupo B2 e nenhuma do B1. Em compensação, o Conesul venceu todas as obras do B1 e nenhum do B2. A diferença entre as propostas dos dois consórcios é de apenas 1,4%".
A CPI foi ainda mais chocante:
"É forçoso concluir pela existência de conluio entre as empresas interessadas que, se organizando através de consórcios, acertaram a divisão das obras entre si, fraudando dessa forma a licitação".
A quebra de sigilo bancário de Rigotto revelou em sua conta um crédito de 1,170 milhão de reais, de fonte não esclarecida. O diretor Silvino Marcon justificou à CPI os 156 mil reais encontrados em sua conta particular como sendo "sobras da campanha de 1986".
O relatório final da CPI caiu nas mãos de outro caxiense, que não poupou ninguém, apesar do parentesco. O petista Pepe Vargas, que foi prefeito de Caxias e hoje é deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores, é primo de Lindomar e Germano Vargas Rigotto. "De tudo o que se apurou, tem-se como comprovada a prática de corrupção passiva e enriquecimento ilícito de Lindomar Vargas Rigotto", escreveu o primo Pepe no relatório final.
Pela primeira vez, entre as 139 CPIs criadas no estado do Rio Grande do Sul desde 1947, eram apontados os corruptos e os corruptores. Além de Lindomar Rigotto e outras 12 pessoas, a Assembléia Legislativa gaúcha aprovou o indiciamento pela CPI de 11 empresas, sem poupar nomes poderosos como os da Alstom, Camargo Corrêa, Brown Boveri, Coemsa, Sultepa e Lorenzetti. As 260 caixas de papelão da CPI foram remetidas no final de 1996 ao Ministério Público, transformando-se no processo n° 011960058232 da 2ª Vara Cível da Fazenda Pública em Porto Alegre. Os autos somam 30 volumes e 80 anexos e envolvem 41 réus – 12 empresas e 29 pessoas físicas. E tudo isso corre em segredo de Justiça.
Essa história incrível, contada sem peias pelo jornal nanico de Elmar Bones, parece também um segredo de imprensa. Nenhum dos grandes veículos de comunicação do Rio Grande do Sul recontou o caso, o mais vultoso entre os 200 processos abertos pelo Ministério Público nos últimos 15 anos. Menos atenção ainda provocaram as duras reações judiciais da família Rigotto, que podem matar o único jornal que se atreveu a jogar luz sobre a milionária treva financeira que se abateu sobre a CEEE.
O ex-governador Germano Rigotto costuma apregoar aos amigos suas boas relações com os dois maiores grupos de mídia do Rio Grande – a Caldas Júnior (jornal Correio do Povo, rádio Guaíba e Rede Record) e a RBS (jornal Zero Hora, rádio Gaúcha e rede RBS, retransmissora da Globo). Isso não impediu, porém, que a brava Julieta Vargas Rigotto processasse a TV-COM, o canal comunitário da RBS, por ter classificado a morte do filho Lindomar na praia como "queima de arquivo". Ela ganhou na Justiça, em 2003, o direito de receber 150 salários mínimos, com juros, pela ofensa que remetia o fim violento do filho à morte da garota e aos curtos-circuitos contábeis da CEEE.
Quando perguntado diretamente sobre o absurdo dessa situação, o ex-governador Germano Rigotto refugia-se na saia materna: "Não tenho nada a ver com isso. É coisa da minha mãe", manda dizer o irmão do réu central da maior fraude da história gaúcha, escapulindo da responsabilidade de um caso de marcantes implicações políticas, não filiais.
Diante da primeira ação de dona Julieta na Justiça, o promotor Ubaldo Alexandre Licks Flores rebateu o pedido de processo, em novembro de 2002:
"[não houve] qualquer intenção de ofensa à honra do falecido Lindomar Rigotto. Por outro lado é indiscutível que os três temas [a CEEE e as duas mortes] estavam e ainda estão impregnados de interesse público".
Duas semanas depois, a juíza Isabel de Borba Luca, da 9ª Vara Criminal de Porto Alegre, deu a sentença que absolvia Bones:
"(...) analisando os três tópicos da reportagem conclui-se pela inexistência de dolo (...) em nenhum momento tem por intenção ofender (...) não se afastou da linha narrativa (...) teve por finalidade o interesse público".
Em agosto do ano seguinte, por unanimidade dos sete votos, os desembargadores do Tribunal de Justiça negaram o recurso da bravíssima dona Julieta. E o caso foi encerrado na área criminal.
Andou e prosperou, porém, na área cível. Em dezembro de 2003, o relatório do desembargador Luiz Ary Vessini de Lima transbordava emoção:
"Não há como afastar a responsabilidade da ré pelas matérias veiculadas, que atingiram negativamente a memória do falecido, o que certamente causou tristeza, angústia e sofrimento à mãe do mesmo (...)".
E assim acabou condenado o JÁ e seu editor, que recorda ao Observatório da Imprensa a falta de simetria do processo atual e da cadeia que levou pela publicação de documentos da repressão antiguerrilha.
Fala Elmar Bones:
"A sentença que nos condenou, agora, é uma piada. O processo de 1980 era um absurdo só explicável num regime ditatorial. Os ditos `documentos sigilosos´ eram relatórios de campo sobre ações do Exército no combate à guerrilha, narrando fatos ocorridos já havia mais de dez anos e que só tinham importância porque, na época em que se deram, a censura não permitiu que fossem noticiados. Essa ação de agora é mais absurdo ainda porque estamos em pleno regime democrático e a Justiça não conseguiu apontar nenhum erro ou inverdade na reportagem sobre o assassinato de Lindomar Rigotto. Nosso objetivo com ela era mostrar que Lindomar, assassinado em circunstâncias duvidosas, era o principal implicado em dois outros crimes não esclarecidos – a morte de uma prostituta e o desfalque na CEEE, o maior já ocorrido no Sul e que está encoberto pelo segredo de Justiça. Há 14 anos foram apontados os corruptores e os corruptos e até agora ninguém foi punido. Só o JÁ está pagando o pato."
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Mais adiante, prossegue Cunha:
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"Elmar Bones revela seu desalento no título do editorial ("Voltaremos. Ou não?") da edição extra do JÁ que desembarca esta semana nas bancas com a foto de um mascarado de terno e gravata e uma manchete acabrunhante na primeira página: "O RIO GRANDE CORRUPTO. Escândalos sucessivos abalam o mito do `Estado mais politizado do Brasil´".
Bones adverte no editorial de tom sombrio:
"Pela primeira vez em quase 25 anos, não podemos garantir aos leitores que o jornal JÁ voltará a circular. (...) Um pequeno jornal condenado por `dano moral´ numa ação movida pela família de um político influente, ex-governador do Estado, num mercado em que as maiores agências de publicidade têm contas do governo. (...) Quanto perdemos no mercado publicitário? (...) Voltaremos! Ou não?"
Ninguém sabe ainda responder. Se o JÁ não voltar, não será mais um jornal a morrer, diante do silêncio inexplicável de alguns, da omissão de muitos, da complacência de todos nós. A morte iminente de um jornal como o JÁ – somado ao desalento de um jornalista como Elmar Bones – é um fundo golpe nas convicções de todos que acreditam nos fundamentos da democracia, da justiça, da verdade e de uma imprensa livre. A limpa folha corrida do jornal de Porto Alegre e a digna biografia de resistência de seu editor não merecem ser comparados com o prontuário de alguns dos homens públicos que hoje nos representam, julgam e governam.
Em qualquer país sério do mundo, o clamor da sociedade se levantaria já, agora, imediatamente, em defesa de um pequeno jornal, punido apenas por ser correto, preciso, exemplar e corajoso. A inacreditável saga de resistência de Elmar Bones, que precisa fazer agora na democracia o que antes fazia na ditadura, mostra que perdemos algo intangível, irremediável neste rito de passagem. Perdemos a vergonha na cara.
Precisamos decidir se morreremos juntos com o JÁ. Ou se voltaremos com ele. Agora. Já".
Para visitar o Já, de Elmar Bones clique aqui
www.jornalja.com.br/2009/11/24/edicao-extra-do-jornal-ja-traz-dossie-sobre-corrupcao/

Cartucho

Maiores informações aqui:

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O recado de Lula

Por Georges Bourdoukan
www.blogdobourdoukan.blogspot.com/
O recado de Lula aos ignorantes
e intolerantes,ou de como os cães
ladram e a caravana passa

"São três países que estão envolvidos em conflito, três países que têm muita responsabilidade pela paz no Oriente Médio, e tem muita gente que acha que nós deveríamos receber só um, ou seja, iraniano acha que nós deveríamos receber só Irã, palestinos acham que nós deveríamos receber só palestinos e judeus acham que nós deveríamos receber só judeus"(...)
"Ora, acontece que se tem um conflito, se tem uma divergência, e não é curta, é uma divergência muito longa, de muito tempo, não adianta você isolar as pessoas. É preciso você estabelecer um diálogo, uma política muito séria de conversação, para que você possa, então, acreditar que é possível estabelecer a paz no Oriente Médio"(...)
"É preciso que a gente agora comece a perguntar quem é que não quer a paz. E detectar quais são os grupos que estão radicalizando para não ter a paz. Porque é com esses que nós precisamos procurar parceiros para conversar"(...)
"Quem acha que a gente não pode conversar é tão intolerante quanto aqueles que não querem a paz."

sábado, 21 de novembro de 2009

Fascismo banal

A expulsão de Geisy me parece pura covardia da direção da Uniban: vamos nos livrar de um problema com o qual não sabemos lidar

Por Maria Rita Kehl

“A massa não é confiável” escreveu Freud em Psicologia de massas e análise do eu (1920). Os indivíduos que participam de uma formação coletiva sob o comando do representante de algum ideal comum são capazes de atos que, se estivessem sozinhos, não se atreveriam a cometer. O superego individual tira uma folga em favor do superego coletivo. Em nome dele, o sujeito dissolvido na massa se precipita em atos extremos que jamais – ou sempre? – sonhara praticar.
Por que os meninos e meninas escandalizados – ou excitados – com o mini rosa shocking da colega a chamaram de “puta”? Usar a palavra puta como insulto revela o ressentimento do homem diante do desejo sexual da mulher, quando esse desejo não é voltado para ele. Uma prostituta não é simplesmente uma mulher que transa com muitos homens, nem uma mulher exageradamente sensual. É uma mulher que faz disso seu ganha pão. A mulher que faz sexo porque gosta, sem cobrar, não é prostituta. A prostituta é profissional – gostando ou não do que faz, algumas por necessidade, outras por amor à arte, mas sempre profissionalmente.
Mas a profissão da prostituta sempre foi desqualificada nas sociedades em que o tabu da virgindade vigorava para as mulheres de "boas famílias". Assim, a palavra "puta" é usada até hoje para desqualificar uma mulher sexualmente livre – coisa que não sei se a Geisy é ou não, nem vem ao caso. Ela pode ser só uma moça que se acha gostosa e gosta de se exibir.
Já a Uniban, esta errou do começo ao fim. Primeiro: se a roupa da moça era inadequada, por que ela não foi barrada na porta? Segundo, parece que o próprio esquema de segurança da Universidade demorou a ser acionado quando a confusão começou. Terceiro – não me lembro de haver menção à presença de alguém da diretoria a fim de se responsabilizar pela ação dos próprios seguranças, quando o tumulto engrossou. Quarto: houve alguma orientação da direção, depois do incidente, para se discutir o assunto em classe com os alunos? Ou, antes disso: houve alguma medida punitiva, alguma suspensão de aulas, ou rebaixamento de nota para os que pretendiam linchar e estuprar a moça? Alguma sindicância para detectar os líderes fascistas da massa? Se essas manifestações de massa enlouquecidas não são barradas e punidas, as pessoas entendem que estão autorizadas e a barbárie tende a se repetir. A expulsão de Geisy, por outro lado, me parece pura covardia da direção da Uniban: vamos nos livrar de um problema com o qual não sabemos lidar. Me parece que a universidade nesse caso se comportou segundo as normas da empresa lucrativa que ela realmente é: procurou satisfazer o grande número dos clientes-pagantes em detrimento de uma cliente-problema. O freguês, para o comerciante, tem sempre razão. Só que a universidade, ao se comportar como um comércio, se desmoraliza como instituição de ensino e educação. Daí que nada garante que tais incidentes não se repitam, tanto por parte de alguma outra aluna que acha que pode se vestir como quiser quanto do lado dos alunos e alunas que acham que, ao se sentir provocados, podem se comportar como um bando de foras-da-lei. Outro problema a ser abordado é o do excesso de erotização do corpo jovem (sejam homens ou mulheres), uma característica da sociedade atual em que as pessoas circulam como mercadorias exibidas na vitrine. Quando Geisy se defende dizendo "eu me visto como quero e como me sinto bem", ela nem se dá conta de que está tentando corresponder ao padrão de hipersensualidade que vê na publicidade, nas novelas, nos filmes comerciais etc. Mas, até aí, se ela gosta, tudo bem. No entanto, o fato de ela ter sido a vítima no episódio bárbaro da Uniban não nos poupa de também criticar a falta de noção da moça. Existem convenções de comportamento, aparência etc. que não são exatamente morais, mas ajudam a clarear o que se espera das pessoas em determinados ambientes. Ninguém vai a uma recepção de gala usando bermuda e camiseta a não ser que queira escandalizar, certo? Ninguém vai à faculdade de biquini porque chamaria tanta atenção que dificultaria o andamento das aulas. Será que os rapazes ficam sem camiseta na classe nos dias de calor, por exemplo? Se a Geisy tinha uma festa mais tarde poderia ter levado o vestido na bolsa e trocado depois das aulas, mas, pelo depoimento dela, me parece que a moça não tem a menor noção da diferença entre, por exemplo, a faculdade e a balada. Não sei se ela utilizaria o argumento "faço o que quero/uso o que gosto", se em seu emprego o patrão exigisse um uniforme. Ou ainda, se a exigência de adequação correspondesse a uma distinção de classe. Aposto que Geisy não iria a um casamento chic com uma roupa inadequada: ficaria super preocupada em saber o que se "deve" vestir na ocasião. Só que a Universidade – a Escola, em geral – é uma instituição muito desmoralizada atualmente e ela se achou no direito de quebrar a convenção de um certo decoro no ambiente de estudo. É grave? Não. Merecia o que aconteceu? Absolutamente. Só quero dizer que ela me pareceu, em sua posição isolada, tão tonta e tão alienada quanto a turba que não soube dar uma expressão civilizada ao seu descontentamento. Isto, do ponto de vista da alienação. Do ponto de vista da gravidade do comportamento, nem se compara: a turba foi fascista e teria cometido um crime talvez bárbaro, se os tais seguranças não tivessem finalmente decidido agir. A Geisy não fez nada disso, foi só meio sem noção.
De uma forma ou de outra, é sempre do velho superego que se trata. A moral tradicional explodiu na Uniban com a fúria do retorno do recalcado, aliada ao que? Ao velho comando a favor do gozo, do qual os jovens hoje vivem perigosamente perto demais. A condenação de “puta, vagabunda”, alia-se ao desejo de “lincha, estupra”. São duas faces da mesma moeda, “goza/não goza”, Kant e Sade de mãos dadas, tornados ambos mais cruéis na proporção direta do desprestígio do pensamento na sociedade atual. A conclusão ficaria por conta de Hannah Arendt: quando o pensamento torna-se supérfluo, abre-se o caminho para a banalidade do mal. (originalmente publicado no jornal Brasil de Fato)
Maria Rita Kehl, psicanalista e ensaísta, é autora, entre outros, de O tempo e o cão (Boitempo, 2009) e Deslocamentos do feminino (Imago, 2007).

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Classe Média Way of life

Achar que pena de morte não é má idéia
Como representante da gente de bem deste País, o membro da Classe Média é contra a violência e pode provar isso, com muitas fotos em que veste branco nas “passeatas pela paz”. Mas quando se traz à baila o assunto “pena de morte”, normalmente se encontra na Classe dois tipos de posicionamento: os simpatizantes e os defensores.
Por ser um assunto polêmico, se você abordar um médio-classista, assim de repente, perguntando a opinião sobre o assunto, não vai ouvir dele, logo de cara, a aprovação a tal recurso penal. Sabendo que este é um tema delicado, ele ficará cheio de dedos e se mostrará inconclusivo, buscando argumentos para justificar a pena de morte, mas sem mostrar que partido toma. Para o aspirante à Classe Média, esta é uma grande oportunidade para ser aceito no grupo. Tudo o que o médio-classista interpelado precisa para sair da defensiva é de um impulso: diga logo a ele que você é a favor, sim, da pena de morte. O médio-classista vai te considerar imediatamente um de seus pares e, morrendo de vontade que estava, vai soltar a língua. Esteja preparado.
A primeira característica da pena de morte que promove a empatia do médio-classista é a sua existência e aplicação nos Estados Unidos, supra-sumo mundial entre os países e modelo número um de sociedade e de comportamento. Sendo lá um lugar onde tudo funciona, é justo imaginar que a aplicação da pena de morte seja um elemento disciplinador responsável pela ótima organização daquele país, cujo sistema judiciário é tido em alta estima pelo médio-classista. Algo como um sistema à prova de falhas e que nunca erra.
A grande justifica para ser a favor, entretanto, é o fato de que, para a Classe Média, atentar contra o patrimônio alheio é o pior crime que existe, e criminoso bom é criminoso morto. Mas não se engane com o aparente simplismo deste argumento. Todo médio-classista é adepto e admirador do “planejamento”, o que faz da pena de morte uma ferramenta não apenas para os bandidos comprovados, mas também para os criminosos em potencial.
É isso mesmo: para a Classe Média, a solução para este país é uma limpeza geral, eliminando mendigos, prostitutas, sem-terra, miseráveis, favelados, pessoas feias e desempregados. Ainda não se sabe quem ficaria responsável por lavar o carro e as panelas da Classe, mas pelo menos se evitaria problemas de grande repercussão, porque os filhos adolescentes não teriam a quem queimar ou espancar nos pontos de ônibus madrugadas adentro.
Portanto, se você quer mesmo ser da Classe Média, a pena de morte tem que parecer a você como uma boa idéia, mesmo você sabendo que ela nunca será implantada aqui, porque neste país nada funciona mesmo.

domingo, 15 de novembro de 2009

Shimon Peres e os 40 empresários

Por Georges Bourdoukan

Shimon Peres está realizando grandes negócios no Brasil.
Ao ministro Jobim, ofereceu armamento no valor de 350 milhões de dólares.
Ao governador de São Paulo José Serra ofereceu armamento no valor de 180 milhões de dólares. Ao governador do Rio Sergio Cabral ofereceu armamento e tecnologia para construir muros, cercas e paredões para isolar as favelas.
Os valores são oficiais, não incluindo os barani.
Uma pena que este senhor venha ao Brasil em nome da morte. Mas o que se pode esperar de alguém cuja história está umbilicalmente ligada à violência e à brutalidade?
O que se pode esperar de alguém que desde a usurpação da Palestina jamais ofereceu um ramo de oliveira?
O sr.Peres, que é presidente de Israel, veio ao Brasil acompanhado de 40 empresários, em sua totalidade ligados à indústria bélica.
Vieram oferecer aquilo que melhor conhecem: violência.
Lamentável.
http://www.blogdobourdoukan.blogspot.com/

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Carta assinada por Van Gogh

“como não tenho mais nada para me distrair – eles me proíbem até de fumar, embora os outros pacientes tenham permissão para fazê-lo - , passo os dias e as noites inteiras pensando em todas as pessoas que conheço... O melhor que podemos fazer talvez seja rir de nossos pequenos sofrimentos e, de certo modo, dos grandes sofrimentos da vida humana também...”.
Carta assinada por Van Gogh ao seu irmão Théo contando suas angustias de dentro do hospício quando foi internado após cortar a própria orelha.