segunda-feira, 27 de julho de 2009

O 4º E - Capítulo IV

A sala ficava ao lado da enfermaria no início do corredor. Emerson abriu a porta olhando-o enviesado. Muito prazer seu Pedro pode sentar-se, disse a médica. Cabelo escuro deveria ter pouco mais de vinte cinco anos, bonita, cenho franzido. Como está se sentindo? Perguntou - lhe com o olhar forçosamente firme, usava palavreado seco, tentando demonstrar autoridade. Autoridade que realmente tinha dentro do 4º E. Forjada pelo medo. Desde sua adolescência Pedro havia conversado com pelo menos uma dezena de psiquiatras. E todos eles eram mais seguros que a jovem doutora Claudia. Tenho informações que o senhor não vem tomando a medicação. Senhora, disse Pedro, há anos faço análise psiquiátrica e sei que os medicamentos neurolépticos causam terríveis efeitos colaterais e são indicados à pacientes portadores de esquizofrenia, doença que não tenho, sofro de dependência química e alcoolismo cujo tratamento é única e exclusivamente a completa abstinência. O senhor está querendo ensinar como devo diagnosticar e tratar meus pacientes. Disse-lhe, com os olhos saltando das órbitas. Pedro sentindo que ia piorar sua situação tentou contemporizar. Não doutora, apenas transmito o consenso de vários outros médicos, pois é nossa primeira consulta e... Para seu juízo senhor, disse a médica interrompendo-o, já que não se recorda, eu o avaliei no momento de sua internação, onde concluí; estado de demência, agressividade compulsiva, manifestações suicidas e monólogo subjetivo. ”Monólogo subjetivo”, pensou, devia estar falando sozinho e o pior é que não se lembrava do episódio. Era o famoso “apagamento alcoólico”. Ficou em silêncio tentando formular uma réplica, mas Claudia concluiu: Por essas razões vou aumentar sua medicação. A consulta está encerrada, nos vemos amanhã, tenha um bom dia senhor Pedro. Emerson que ouvira a conversa em pé atrás da cadeira abriu a porta para que o interno saísse. O atendente que não costumava falar com pacientes a não ser para dar instruções, mas com um movimento de cabeça indicou que Pedro entrasse na enfermaria para um bate-papo. Ô Pedro, notei que tu de louco não tens nada és um cara inteligente e eu já vi muitos caras inteligentes saírem daqui completamente loucos mesmo, veja o exemplo do Alexandre. Essa “doutorazinha” é metida a besta. Faço um trato contigo, se não causares mais brigas, especialmente com funcionários, (não se recordava da cadeirada no enfermeiro), e ajudares a manter a tranqüilidade aqui na Mario Martins, (assim se chamava oficialmente o 4º E), te darei a medicação via oral e farei “olho branco” para cuspires fora. Pedro concordou de imediato. Saindo para o corredor Alexandre o aguardava para lhe dar um cigarro. Pedro já se considerava um rato de hospício depois de tantas internações. Mas surpreendeu-se ao passar em frente ao banheiro e ver doentes dando banho, enxugando e vestindo outros doentes mais “atrapalhados”. Alexandre que o acompanhava contou que os funcionários, com exceção de Dna.Enir que inclusive era discriminada pelos colegas, tinham nojo de cumprir essas tarefas. O homem notou que as únicas pessoas que não negligenciavam solidariedade no 4º E, eram aquelas que também não a recebiam. Sentados num banco no meio da galeria, Valdir“robotizado” pelos choques combinados com cavalares doses de remédios, desafinava interpretando músicas românticas sob o olhar perdido de Adão. Perdido, porém esperto, pois já fazia uma troca com um outro paciente de uma surrada calça jeans por duas grandes barras de chocolate trazidas por familiares nos escassos dias de visita. Fumavam assistindo o interminável vai-e-vem de internos quando soou a sirene. Emerson meio corpo para o corredor escorado no balcãozinho da porta, gritou: Terapia ocupacional! Oba! Exclamou Alexandre começando a declamar um poema; A volúpia carnal é uma experiência dos sentidos, análoga ao simples olhar ou à simples sensação com que um belo fruto enche a língua. É uma grande experiência sem fim que nos é dada; um conhecimento do mundo; a plenitude e o esplendor de todo o saber. A professora é muito gostosa e é por isso que a homenageio com Rainer Maria Rilke, grande poeta lírico nascido em Praga, antiga Checoslováquia, viveu de 1875 a 1926. A erudição de Alexandre causava curiosidade em Pedro. Não entendia como Alexandre sujeito a tratamento com choques elétricos, onde quebrara os dentes da frente no impacto dos maxilares pela violenta descarga, podia contar com a memória para citar poemas. Foram todos para a grande sala no fim do corredor, tinha uma televisão desligada e presa à parede num dos cantos do recinto, suspensa dentro de uma caixa com tela protetora de arame para que internos não a quebrassem. A mesa coberta por folhas de papel em branco ocupava o centro da sala. Lorena entrou sorrindo e distribuindo lápis de cera de uma pasta que trazia na mão. Lápis que vários doentes começaram a mastigar assim que receberam. Sol Quente chegou atrasado, curativo na cabeça, nu, e com o pênis ereto. Motivo pelo qual foi conduzido pelo grupo dos oito para a sala de “mumificação”. Lorena era formada em Artes e ministrava Arte Terapia na Instituição. Alexandre tinha razão. Lorena não era bonita, era linda com seus olhos azuis, lábios carnudos, corpo escultural e muito inteligente. Sempre que se aproximava de Pedro, o perfume delicado da professora acelerava-lhe os batimentos cardíacos. Era o sonho erótico dos profissionais da casa e com certeza de todos os internos que ao fim da aula se revezavam nos banheiros para a masturbação. Como não tinha habilidade para desenho ou pintura resolveu escrever na folha que Lorena lhe dera e em todos os horários de arte terapia ele escrevia. E por vezes debatia com a artista os assuntos que abordava em seus textos. Em conseqüência destas conversas desenvolveram uma afinidade especial, afinidade que ficou notória na instituição quando esta se ofereceu para retirar os pontos da sobrancelha já cicatrizada de Pedro num hospital repleto de médicos e enfermeiros, roçando levemente seus seios no rosto do interno.

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