28-Out-2009
Além do mais, há pouca possibilidade de uma análise mais sóbria, que fuja da idéia de que há um confronto entre as forças da lei e as forças do crime. Muitos especialistas, defensores dos direitos humanos, entidades e militantes apontam que há complicações mais profundas na política de segurança que se acostumou a aplicar no Brasil atual.
É o caso da socióloga Vera Malaguti Batista. Militante acadêmica do Instituto Carioca de Criminologia, ela defende teses muito diferentes, quando não opostas, às que estão implícitas no discurso predominante da grande mídia, que com suas análises apenas colabora em formar um consenso generalizado na população.
Hoje, vemos um monte de sociólogo – e eu posso falar porque sou socióloga também – fazendo projetinho de segurança pública. É uma vergonha o que está acontecendo no Rio de Janeiro, eu olho o jornal e não acredito na quantidade de pessoas aplaudindo essa aliança entre o governo do estado do Rio e o governo federal. Eu entendo aliança eleitoral em função da governabilidade, sou muito compreensiva com as dificuldades de governabilidade do governo Lula, mas tudo tem limite ético. Acho que o governo federal apoiar essa política de segurança truculenta do Rio de Janeiro é perder o rumo da História. São muitos equívocos, tem ministro da Justiça pedindo fim da progressão...
A esquerda tem medo do lúmpen e há uma má compreensão da questão criminal pela teoria marxista. É preciso parar de contribuir com a implementação da ordem neoliberal e começar a proteger os pobres do massacre.
Vi um levantamento que aponta que desde o começo de 2007 houve 21 mil homicídios no Rio de Janeiro. A polícia do Rio mata, com aplausos da imprensa, da elite e de parte do mundo acadêmico e da esquerda, 1300 pessoas por ano – e isso são os números oficiais!
Acho que esse governo do estado do Rio de Janeiro trabalha em um tripé de negócios privados, grande mídia e segurança pública. Não tem projetos de política pública.
Quando o secretário de segurança fala que os últimos eventos foram "nosso 11 de setembro", há também uma tentativa da imprensa de esconder a qualificação desse debate, fica sempre naquele papo da "escalada de violência".
Houve um coronel, além de várias outras pessoas que entendem de polícia, que disse ser um absurdo usar helicóptero da maneira como se vem usando. Ali não tem confronto, é extermínio, homicídio. Nenhuma polícia do mundo usa helicóptero daquele jeito, isso faz parte de uma ideologia de guerra, inspirada nos modelos de apartação mais questionados no mundo contemporâneo. Um sistema que produz o policial matador.
Aí a elite fica espantada quando vê dois policiais passando por cima de um cara agonizando para roubar seu casaco, seu tênis. Ora, para o cara que mata cinco, que mata vinte, o que é roubar para ele? A polícia vai punindo, torturando, roubando, saqueando.
É o que acontece quando você dá todo poder à polícia, não há freios democráticos. O governador disse que a polícia não tem política, pois, para ele, política é só a troca de favores, a barganha e negociação de cargos.
É a naturalização da morte. Isso expõe tremendamente o policial também, afeta muito a vida dele, da família dele, tem muito sofrimento. Precisamos de um grande movimento com as mães dos meninos mortos, dos policiais, contra a naturalização da morte.
Veja como foi o Pan-americano, todo dia tinha massacre no Morro do Alemão. Teve dia que chegaram a 20 mortos. E a grande pergunta tinha de ser: estão derrotando o tráfico? Os dirigentes da segurança pública dizem que está tudo no Alemão, então aquela matança não serviu pra nada. O Pan-americano não trouxe nada para o Rio, apenas alguns investimentos milionários, todos concentradíssimos. Proporcionou muitas viagens para governadores, dirigentes, políticos. E o Maracanã hoje não tem mais vendedor ambulante, flanelinha... essas pessoas são presas, a pobreza é tratada como sujeira.
E o Rio virou um laboratório de técnicas genocidas. Daqui até 2016, esperamos derrotar esse pessoal (que está hoje nos governos municipal e estadual).
Todos os grandes líderes entraram no sistema prisional por pequenos delitos e foram se barbarizando. Cada vez que eles têm menos expectativa de sair da prisão, de encontrar acolhimento, isso aumenta. A pauta da esquerda tinha de ser prender menos, amparar as redes de familiares de presos, estabelecer mais comunicação de dentro para fora da prisão, para acabar com essa idéia de que quem está fora é o cidadão de bem – essa expressão que a gente ouve tanto – e dentro da prisão está ‘O Mal’.
É preciso romper com essa política estadunidense proibicionista das drogas. Não se pode trabalhar uma questão de saúde pública pela legislação penal. Vários países já começaram a se desgarrar dessa política que começou com o Nixon e foi ao auge com Reagan. Temos que parar de querer resolver a conflitividade através da pena, do sistema penal.