O falecido Garrincha, ou Garra para os íntimos, velho bebum
do centro de Porto Alegre, mais precisamente frequentador do trajeto de botecos que ia do
antigo restaurante Rio de Janeiro do Odelmo, ao Bar do Dante, ambos na Rua Riachuelo, também finado Paulista da Matriz e eu decidimos depois
de vários birinaites encontrar a casa de espetáculo de um tal de Glabinei. Já em
plena Av. Getúlio Vargas, sem encontrar o local, completamos o porre em um bar
da região. Um frio de renguear cusco na madrugada de POA. Garrincha bêbado, só
com uma camisa de manga comprida. O Paulista, chacoalhado pela pinga misturada
aos remédios psiquiátricos que tomava, se aquecia na sua jaqueta quente e
moderna dada pela mamãe. Na volta, Garrincha propõe uma troca. Sua camisa surrada
pela jaca do Paulista, pressenti a confusão. Claro que o maluco não aceitou a troca
e na escuridão da avenida, Garrincha, normalmente pacifico tentou tirar na
marra a jaqueta do Paulista, se engalfinharam, estou apartando e dando uma dura
nos dois quando estaciona um camburão da brigada militar, que chegara na
surdina com as luzes apagadas. Descem quatro meganhas já com os cassetetes de
pau em punho. Mão na parede, pontapés de botinas e cutucadas de cassetete nas costelas, começava
a tortura. Repentinamente me virei e disse antes de apanhar mais: "sou
filho do coronel fulano de tal da brigada militar", anos noventa e
picos, não tinha toda essa informação via rádio e outras tecnologias. Se entreolharam, um tenentinho se aproximou de mim e entre receoso e desconfiado já ia
me pedir documentos, o que comprovaria a mentira. Citei onde morava dando o
endereço verdadeiro do coronel que realmente existia, só que era pai de um
amigo de adolescência e não tinha o menor parentesco comigo. Continuei falando,
aproveitando o despejo de adrenalina que ocorre nessas ocasiões, disse que iria
pegar o número da viatura, que queria falar no rádio com o comando e outras
balelas ameaçadoras, as quais deixaram o tal tenente e seus praças com uma puta
pulga atrás da orelha. E assim, já em um tom respeitoso nos liberaram mandando
para casa com recomendações sobre os perigos da noite e coisa e tal.
Paulista e Garrincha rosnaram um para o outro em todo o percurso da volta , ainda tomamos mais algumas cachaças até chegar ao centro da cidade.
Eduardo Simch
Obs.: O fato tanto pode ser verídico como pura ficção, fica
a critério dos leitores.