No final dos anos
setenta e todo os oitenta do século passado, a velha guarda da Bronze estava
casada, trabalhando, morta, no hospício ou na cadeia. Nós, os herdeiros nos
digladiavam no futebol e basquete. Por outro lado e misturado, tinham os
ladrões, os drogados e muita malandragem solta. Eu, com 16 anos disputava a
liderança da Bronze com o falecido Jorge Alaor Guerreiro, vulgo Huga. Um terror
em pessoa. Naquela época, o hoje jornalista e artista plástico, Simch, eu. Era
conhecido como ' Alemão Eduardo da Bronze'. Mas voltando ao assunto, o Huga e
eu nos respeitávamos eu coordenava a gurizada mais abonada e ele a chinelagem
geral. Só que todo chinelo quer crescer, sair da chinelagem, então eu quem
dizia o que era e o que não era e até ele concordava, pois, humilde, mal
tratado afú na infância, era um adolescente maluco. Simplesmente uma pessoa
desequilibrada, imprevisível e perigosa. Mas eu não estava nem aí. Jovem forte,
alto, fazia um boxe e andava sempre com uma quadrilha, ou digamos vários
amigos. Porém, vindo de uma família de intelectuais, eu também estudava e lia
muito e de tudo, às vezes sem entender a metade, mas Freud, Marx, Einstein e
Darwin foram devorados. Isso antes de entrar na faculdade. O dilema que surgiu
com essas leituras, foi que todo um universo se abriu e ficava difícil ser
chefe de gangue de piás com essa 'confusão' na cabeça. Então decidi decepcionar
meus mais ferrenhos adeptos. Primeiro me deixei apanhar por um trouxa que eu
arrebentaria com um soco só. Depois pregava que as brigas de turma , quando
sobrava só um dos adversários, o grupo inteiro não devia ir massacrar, como era
nosso costume anterior. E nessa minha divagação mental, muitos começaram a se
questionar, até quebrar a cabeça, outros se revoltaram contra mim e tomaram o devido
pau, como o falecido Huga, mas não conto vantagens sobre pessoas que já
morreram e as testemunhas, Maninho, Rogerinho e Carequinha, também já foram. Só
posso dizer que o Huga era muito violento, mas lerdo e assustado. E eu era o
homem metralhadora, dava 25, 30 diretos sem pausa. Aí vocês imaginem o estrago.
Os anos se passaram, entrei na faculdade, namorei um monte, me formei, arrumei
umas brigas que me levaram ao hospital por mais de vinte dias. Não desisti de
ser eu mesmo e a arte e o desenho sempre esteve no meu sangue, herdados da
família. O mundo deu muitas voltas. Mas, falando em Alto da Bronze, jamais
esquecerei uma cena felliniana em que dobro uma esquina, eu à frente, logo
atrás Huga, Cezinha, Márcio, Maninho, Azeitona, Juca Bala, Rogerinho, Danilo,
Capeca, Simbá, Harvey, Paulo Aze, Sarará, Beça, Jorge Nei, Gaspar, Bururú,
Newton, Paulinho Maria, Pipo, Magro Darwin, Viti, Lauro Foguinho, Perereca,
Nego Loco, Guile, Toco, Spock, Amarelinho, Cascão e mais uns dez ou doze
medonhos, pois saíamos da nossa pelada domingueira embaixo dos trilhos do aero
móvel na volta do Gasômetro, ou baixada, como também era conhecida. Ao nos
enxergar, uma rua inteira se recolhia, primeiro os bons rapazes e em seguida
suas famílias entravam tirando as cadeiras da calçada, costume dos domingos
daquela época. E isso se repetia em uma grande área do centro de Porto Alegre,
nossos domínios, que iam da volta do gasômetro até a ladeira Gen. Alto e para
os lados, toda Washington Luiz até os Açorianos e do outro, a Rua dos Andradas
até esquina João Manuel. Todos se refugiavam nas casas, sumiam para dentro dos
botecos e a estrada de paralelepípedos até a Vasco Alves e asfaltada dali em
diante ficava limpa para passar a Escola Superior do Alto da Bronze.
Heheehehehehehe. Hoje, acho graça desses acontecimentos, mas prova que o fogo
da juventude, ‘tipo bicho solto’, assusta muito a sociedade. E não vínhamos com
intenção nenhuma a não ser de chegar ao boteco da esquina da Rua Vasco Alves
com a Duque de Caxias para tomar algumas cevas bicar as gatas que já sabiam que
chegaríamos e ouvir música na velha máquina de colocar fichas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário