Minha fala é um elogio à experiência e digo que nos dias atuais seria suicídio um jovem tentar crescer trilhando caminho semelhante. Os tempos eram outros. MJ, MG e CB gesticulavam misteriosamente na esquina da Rua João Manoel com a Rua Duque de Caxias. Era metade da década de setenta. Iconograficamente imaginava estar vendo uma mescla de Led zepelim / Rolling Stones nas figuras daqueles coloridos hippies. Os garotos e eu éramos os donos da ladeira, de quase todas as ladeiras do centro e aproveitávamos o declive para mais acelerar nossos carrinhos de rolimã, porém ao entardecer os mais velhos ocupavam a esquina para tramar os agitos da noite. Disfarçando uns reparos no carrinho de lomba ouvia a conversa e pude notar que havia preocupação com a escassez de maconha. Vi que alguma negociação estava sendo feita. Aproximei-me do grupo e do alto dos meus treze anos falei; eu quero uma quina, (uma quina equivalia a quinhentos reais). Todos me olharam e MG perguntou; cadê o dinheiro Alemão Eduardo? Foi à primeira vez que alguém me chamou pelo apelido e pelo nome ao mesmo tempo criando um nome composto, pois até então ou eu era chamado pelo apelido de Alemão ou pelo nome Eduardo. Senti estar dando um salto da adolescência à maioridade, eu entrara no mundo outsider adulto, num imaginário que liquidificava hippies, beatnicks, caras-de-cavalo, (seja marginal, seja herói), Castanedas, Che Guevaras, Lamarcas e Mariguellas. Hoje entendo que não queria a linha reta, o caminho simples e seguro, eu queria me perder, mas sempre deixando migalhas para saber voltar. MJ veio até mim e quis saber do dinheiro, olhei pro beco arborizado que desce até a Rua Fernando Machado e disse; ta vendo aquele corcel branco? Aqui cabe uma explicação; esse beco era uma espécie de desova de carros roubados, depois de depenarem com o veículo, os ladrões o abandonavam no beco, os meninos e eu havíamos visto os marginais deixarem aquele carro ali. Eu sei quem dá mil reais de maconha nele, eu não sei dirigir, nós pegamos o carro e uma quina fica para vocês. Era a fascinação do pecado, o extravio, como provocavam os mestres espirituais budistas: “o extravio é belo, porque voltando nos tornamos mais profundos. Curvas e cantos escuros tornam a vida mais misteriosa, oferecem profundidade. Trilhando apenas a retidão não celebraremos nunca a existência. Somos rasos na retidão, não há profundidade. Tornamo-nos simplórios, não enriquecemos a vida, não haverá sal em nós, podemos até ser nutritivo, mas sem tempero. Porém uma vez perdidos chega o momento, não por virtude, mas por vazio, em que se enche o saco e se volta. Mas deve ser um risco calculado, pois alguns pecados não têm volta. O bom é perder-se cedo, ainda criança, para ter tempo de regressar antes que a noite caia”. Capotamos violentamente na saída da ponte do Guaíba. Todos sobreviveram. Foi a quinta vez que eu morri.
Confira o poema que inspirou e os contos anteriores:http://ratoqri.blogspot.com/2008/10/poema-em-lihna-reta.html
Foi baseado nesse poema que escrevo a série de contos;
As sete vezes que morri.
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