Lá vem um, vou pedir: Moço, moço, um troquinho, um troquinho? Putz, nem me olhou, será que nem pra mendigar eu sirvo? Merda! Aí vem uma “patricinha”, uma Patrícia linda! Moça uma esmolinha? Hei, não precisa empurrar! Chiii! Foi chamar o policial. Vou fugir, me mandar, que merda! Embrenhar-me no povão, pronto, já não estão mais me vendo. Isso é bom, multidão! Liberdade na multidão. Anonimato. (Será por isso que muitos menores de rua se recusam a volta pra casa? Em contraste a apanhar do pai bêbado ou assistir a mãe sofrer, a falsa sensação de liberdade total)? Eu aqui cercado por milhares de pessoas e ao mesmo tempo invisível! Cada um na sua, cada um cuidando do seu rabo. Nos seus medos e nos seus egoísmos. Eu morrendo de fome e de frio e ninguém tem nada com isso. Só na multidão. E se nos ajudássemos? Não seria bem mais fácil? Se a prioridade não fosse eu, mas o outro? Se um ajudar o outro, se todos nos unirmos por um objetivo sincero a soma dos nossos esforços será sempre muito maior do que o meu ou o teu esforço isolados? Eu ajudaria um e teria um milhão me ajudando. Quero ser Roberto e ter um milhão de amigos, ha, ha. Que nada! O sistema não permite. Onde ficaria a competição, a livre iniciativa? A minha liberdade de morrer de fome aqui nessa calçada? O lucro? Aeeê! Aeê! Valeu! Dois pila, ganhei dois pila. O cara leu autopiedade na minha testa. Vou fazer a mesma cara, aí vem à tia. Oi tia, uma esmolinha? Valeu senhora! Cinco pila, beleza! É tem gente que dá um troquinho legal. Não faz nada? Pois saiba otário, é muito mais difícil ser vagabundo, morar na rua, ser escorraçado por todo canto, apanhar da polícia, passar frio e fome do que qualquer profissão que tu possa imaginar, não vem dar moral de cuecas aqui, queria ver tu dançar descalço em baile de cobras! Foi embora o trouxa. Olha esse senhor. Meio perdido, cara de “dusmeu”, é dusmeu, dusmeu é uma gíria da cadeia, o chefe de uma facção tem seus putos, que ele chama de dusmeu, (esses são dos meus), entendeu? 99% das gírias nascem na cadeia. Hoje na rua tratam dusmeu como abreviatura de “dos meus amigos”, mas na real é dos meus putos, sacou? Ô chefe, um troquinho pra ajudar? Ajudar o que? Ajudar em tudo, ajudar a me sentir melhor, fazer um desgraçado sorrir! Aeeê. Valeu! O senhor é dusmeu. O mundo precisa de mais pessoas como o senhor. A ironia? Ahh, tem que ter ironia, é o que me resta. Se eu não tiro uma onda o bicho me corrói por dentro. Que bicho? Fica na miséria, atolado em problemas, sem a metade dos dentes na boca e desempregado que tu descobre qual é o bicho. Morro, mas tiro a minha onda, ó, ó, ó pronto, quinze pila, já vai dar pro arroz com feijão e pras passagens da mulher, derrepente até uma pinguinha e depois cantar um Odair pra nega; eu vou tirar você desse lugar... me embriagar, ficar doidão e dizer que tudo vai mudar, é só o saci cruzar as pernas e o morcego doar sangue. É a Dionara trabalha em casa de família, faz faxina e não pode se atrasar. Nunca entendi bem essa denominação; casa de família? Quer dizer que casa de pobre não é família? Que frio! Eu? Eu vou pra obra, sou pedreiro, fumo pedra, he, he! É um rap; sou pedreiro, hê, fumo pedra, hê! Sacou? Mas vou confessar; de vez em quando eu gosto de vir aqui pro centro, bem esfarrapado esmolar, só estudando a reação das pessoas. As expressões, as sinceridades, as crueldades. A vida é boa até juntando papel na rua, valeu? É incrível. Sou quase um antropólogo, heim? Que loucura! Se eu to bem fudido, até os fudidos me alcançam algum, e vejo na cara deles que sobem um degrau na pirâmide, no fundo, pedindo dinheiro to fazendo um bem pra essa gente. É, mas já to viajando demais e vou me atrasar prus "morde e assopra", o que é os "morde e assopra"? Na próxima eu conto, tchau!
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